53_catarinaCatarina Valença Gonçalves

Fundadora & CEO da SPIRA – Revitalização do Património 

A pintura mural alentejana teve a sua origem em todo o tipo de encomendantes (nobres, confrarias / irmandades, Misericórdias, comissões fabriqueiras), e cobriu todo o território regional, existindo tanto em edifícios religiosos (ermidas, capelas, igrejas e mosteiros) como civis (palácios). O auge criativo da pintura mural alentejana centra-se no final da centúria quinhentista e primeira metade do século seguinte, enquanto crescia no resto do país a moda da talha, do azulejo e da pintura sobre tábua ou tela.

Um das razões prende-se com a tipologia das construções religiosas no Alentejo: maioritariamente ermidas ou capelas de uma só nave, com cobertura de pedra, e marcadas pela robustez e opacidade dos alçados (sustentados por contrafortes possibilitadores do lançamento das referidas abóbadas de alvenaria de tijolo) protectores das elevadas temperaturas exteriores. Ou seja, uma extensa superfície apta a ser decorada, a exiguidade do espaço convidando à pintura monumental.

Há ainda a permanência temática e formal até à primeira metade do século XVII da composição essencialmente figurativa com apontamentos ornamentais, característica do período tardo-medieval, ela é uma evidência em todos os exemplares alentejanos, enriquecidos contudo com outras recorrências estilísticas marcadamente regionais: uma encenação do tema retratado, evidente na teatralidade das personagens; uma policromia forte – tradução da diversidade de pigmentos naturais obtidos na planície alentejana –; uma aposta no efeito de conjunto e não no pormenor do traço, a maior parte das vezes, de qualidade mediana.

A superação da ausência de mestria técnica é reforçada pela opção por composições totalizantes com ermidas e capelas revestidas inteiramente por pinturas murais: a pintura mural, no caso alentejano, em pleno século XVII, fica muitas vezes como o único elemento artístico do edifício, preenchendo-o e animando-o em exclusividade, numa clara manifestação de horror vacui.

Outra particularidade do núcleo de pintura mural alentejano é a constatação deste ter chegado, em grande parte, até aos nossos dias. Esta situação deve-se essencialmente a três factores: em primeiro lugar, ao facto da maioria da pintura ter sido executada na técnica do fresco; por outro lado, à inexistência de recursos financeiros – cada vez mais evidente – que permitissem a alteração dos edifícios ou do seu interior; por fim, ao recurso à cal quando a pintura estava desgastada, permitindo assim a sua conservação e posterior resgate (se fosse caso disso) quase incólume. A desertificação crescente com o consequente esquecimento ao qual o património alentejano esteve votado ao longo de todo o século XX, determinaram também a quase inexistência de adulterações significativas neste acervo pictórico.

Um momento artístico guardado assim, ironicamente, pelas adversas vicissitudes sócio-económicas desta região do país e que, hoje, à medida que se estudam mais exemplares, ganha uma especificidade única no quadro do acervo de pintura mural de Portugal.

A Rota do Fresco – primeira rota de turismo-cultural a surgir no país – pretendeu, desde o seu surgimento, democratizar o acesso ao património cultural e natural do Alentejo e promover o seu conhecimento, partilhando a descoberta da pintura mural – o tesouro desconhecido do Alentejo.

A Rota baseia-se numa rede de parceiros locais – proprietários de património, entidades públicas, comerciantes, associações de desenvolvimento local – com o objectivo de promover o desenvolvimento sustentável do território abrangido e a preservação do seu legado cultural. Cada visitante Rota do Fresco contribui assim activamente para a preservação deste património uma vez que parte das receitas reverte para o desenvolvimento de programas de valorização e obtenção de mecenato / patrocínio para a conservação desta herança cultural comum.

Aberta a todos durante todo o ano e cobrindo mais de 15 municípios alentejanos, a Rota do Fresco é um exemplo de valorização e partilha de um património comum, desconhecido mas, afinal, com imenso potencial.